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terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Estátuas e Sombras

Ele estava sentado de frente a sua janela.

Era um dia nublado, como sempre é. Olhando o movimento das ruas, as pessoas vêm e vão e seus pensamentos se perdem ao longe de desconhecidos a sua frente.

Sem emoções, sentimentos, nada. Talvez as pessoas que o conheçam apenas tenham se afastado, ou ele mesmo se afastou preferindo a solidão de seu lar.

Olha fixamente para a rua, como se soubesse que lá, em algum lugar vai encontrar algo que talvez nem mesmo ele saiba o que é.

Passam horas, dias e noites, as pessoas nem estranham mais a janela sempre aberta, seu olhar perdido. Há quem diga que isso é uma confusa desilusão amorosa, ainda há quem diga que simplesmente não tem o que fazer – é um vagabundo –, mas ninguém nunca se atreve a perguntar.

Boatos correm de que ele nem mesmo come ou toma banho, está sempre lá, imóvel. Estaria morto?

Mas como não é problema de ninguém, quem se importa?

As crianças nas ruas inventam milhões de apelidos, fazem piadas que só elas entendem, nada faz sentido, eles cansaram de provocar, face do homem na janela nunca muda, ele nunca se move. Senhores e senhoras de certa idade dizem que na sua época não se via coisas assim, que isso é culpa de pais liberais demais.

Apesar disso, mais cedo ou mais tarde, todos sempre voltam a afirmar "isso é coração partido".

Seria mesmo?

Esse homem parado em sua janela olhando a rua há dias não se move, não esboça a mínima reação, frio, calor, tédio solidão, nada.

O que o faz ficar parado assim?

Nos momentos mais calmos da vizinhança era possível ouvir o telefone de sua casa tocando, mas era ignorado por ele, não estava nem ligando pra quem quer que seja que estivesse tentando entrar em contato, ele só ficava lá, observava tudo.

Nunca se viu nem mesmo outra pessoa dentro da casa.

Por mais que passasse o tempo ele continuava lá.

Mesmo aqueles que tinham más intenções e planejavam assaltar a casa, tinham receio. Ele poderia estar armado, pode ser um louco, um lunático esperando alguém se aproximar para ele mostrar todo seu descontentamento com as coisas que seus vizinhos diziam dele, podia ter um acesso de raiva pelas risadas que ouviu.

Aquela luz sempre acesa dentro do quarto com a janela entreaberta que somente tinha espaço para ele olhar o que se passava, não virava o rosto e nem menos se permitia perder em sua concentração.

Depois de um certo tempo as pessoas começaram a sentir-se incomodadas, começaram a reclamar entre si, sentiam-se vigiadas por um estranho que eles nem mesmo sabiam quem era.

As crianças pararam de atazanar a vida daquele sujeito, os pais, por medo, diziam para não ficarem muito em frente à casa. Os idosos temiam sua própria segurança.

Foi quando as fofocas nas ruas aumentam, todos acham que estão sendo discretos, mas não estão.

A polícia nem sequer pode fazer nada, porque o indivíduo está dentro de sua residência e nada fez para ninguém. Quem sabe observa a tudo devido a uma ordem de restrição, seja lá o que for que ele tenha feito está pagando, e isso, de certa forma conforta os moradores. "É mesmo só um vagabundo, tem que pagar". Mas eles nem mesmo sabem quem é.

Não se lembram de quando ele se mudou para lá, nem mesmo de terem dito bom dia para ele. Tudo girava em torno de suposições e intrigas com alguém que nem ao menos se defendia das coisas que diziam justa ou injustamente a seu respeito.

Nada o interessava mesmo? Por que alguém tão frio estava num lugar onde as pessoas costumam falar tanto de seus iguais, e ainda assim não é capaz de ver seus próprios erros...

E sempre, sempre há o velho clichê de que um dia alguém perde de vez a paciência e toca a campainha de sua casa, e mesmo assim ele não sai de seu lugar, continua lá ignorando. Talvez nessa hora esteja derramando uma lágrima por ver que alguém se importa, talvez somente seu corpo ainda esteja vivo. "Bom dia", "oi", grita insistentemente aquela moça curiosa que continua a tocar a campainha. Nisso os vizinhos correm para junto dela com o discurso de que querem ajudar, protegê-la, e o circo já está armado. Pessoas ficam em frente à casa tentando chamar a atenção daquele que há pouco tempo "era só um vagabundo", "um coração partido", mas como toda bola de neve tende a crescer, a mídia local dos pequenos jornais de bairro da região tenta construir uma história, é a grande chance destes pequenos jornalistas chegarem onde querem. Assim o jogo todo mudou, antes aquele que era o observador e agora é o observado o tempo todo. Mas ele nem ao menos se importa.

As pessoas começam a reparar que apenas uma luz na casa está acesa, assim como a TV ligada ao seu lado. Procuram saber o nome do proprietário da casa, tentam saber de tudo, traçar um perfil psicológico, querem tudo sobre ele porque a matéria cresceu. Entre os vizinhos, surgem os "amigos" que nunca o viram assim, voltam as histórias do coração partido.

Quase uma semana parado, há dois dias fotógrafos e repórteres seguem acampados, junto de alguns moradores que não tem o que fazer a não ser esperar e observar. Durante as tardes as pessoas rezam por ele, juntam-se pessoas do bairro inteiro tentando de alguma forma salvar aquele pobre homem que insiste em ficar lá.

Claro, há aqueles que afirmam que ele se levantou para ir ao banheiro. O pior é que eles confirmam que viram, mas não viram de verdade, querem apenas chamar atenção. E enquanto isso o estranho vizinho continua ali na janela. Talvez já esteja morto. Alguém o viu comer? – questiona um padre que chegou lá para rezar pela alma do cidadão.

De mochila preta, calça suja, tênis cheio de barro, chega um casal que observa ao longe atentamente e tenta entender o que se passa. Ao lado deles outro casal conta o que se passou. Todos se juntam na calçada rezando por ele, lágrimas são derramadas, meninas que querem seus minutos de fama dizem que não precisava acabar dessa forma e se acabam em suas próprias lágrimas. A frente da casa está cheia de velas, flores e incenso, já é quase uma atração turística. Mas ninguém entende o por quê.

A cada minuto que se passa naquele domingo mais e mais pessoas juntam-se ao culto, as pessoas dão as mãos e cantam, repórteres fazem a festa colhendo depoimentos e fotos deste acontecimento, é tudo tão sensacional que vai ser a capa da semana!

"Com licença", ouve-se uma voz assustada de um jovem passando entre a multidão, seguindo até a casa sem entender o que está acontecendo.

Ao vê-lo colocar a chave na porta as pessoas a sua volta falam ao mesmo tempo. Ele está assustado não consegue entender tantas frases juntas ao mesmo tempo, tudo está confuso. Quando olha para a janela percebe "esqueci a luz e a TV ligada... putz minha conta... não quero nem ver..."

Assustados os vizinhos não conseguem entender as milhares de sensações que se passam, uns querem bater naquele homem sem nem ao menos ele ter culpa pela curiosidade alheia. O padre, ainda sensato, pergunta sobre a pessoa na janela. "Sou escultor, fiz aquela peça e deixei secando." Diz o homem que acabara de chegar, conta que foi há várias exposições durante a semana e voltou justamente para buscar o "homem da janela". Neste momento as pessoas estão furiosas, repórteres frustrados. Em meio a tudo isso o padre conversa com o artista enquanto as pessoas vão embora com muita raiva por tudo o que passaram.

O padre apenas ouve o homem que tenta entrar em sua casa

"Não tive culpa, achei que voltaria logo, o senhor pode ver, quem largaria tudo ligado assim? Por que eu faria isso? E quem são essas pessoas? Eles não têm o que fazer? Tinham que ficar vigiando tudo assim? É muito estranho isso, não fiz nada errado e todos me culpam pela própria curiosidade, é sarcasmo isso, não? Eles vieram aqui, ficaram aqui, disseram o que quiseram, mas quando a verdade é dita todos somem, é sempre assim padre, o senhor sabe."

O vigário concorda, conta que ele também se deixou levar pela emoção, desculpa-se e vai embora, ninguém mais toca no assunto.

Enquanto a frustração e raiva tomam conta das pessoas, um fotógrafo olha as fotos que tirou, entrevistas que fez. Aquele homem que chegou na casa e entrou, ele também foi entrevistado, ele esteve todos os dias junto a multidão. O fotógrafo percebe que ele esteve o tempo todo ali anonimamente, observando a multidão em frente a sua casa. “Fomos observados desde o início” pensa ele. Por quê?

Ele reúne todos os arquivos, fotos, vídeos, o homem sempre esteve fora da casa, ele foi um dos primeiros que surgiu com a suposição de "coração partido". Então, sob a fúria que sentia, o fotógrafo volta até a casa, a estátua já não está mais na janela. Quando a campainha é atendida pelo mesmo homem que esteve em meio à multidão todos aqueles dias ele conta o que descobriu e quer apenas saber o por que.

Escuta então que tudo isso fazia parte de um estudo, uma tese de graduação sobre o quanto as pessoas se interessam mais em vivenciar a vida alheia do que sua própria vida, que todos, sem exceção nenhuma largaram tudo o que tinham que fazer simplesmente porque algo dentro de sua pequena sociedade era muito mais interessante do que viver suas vidas, que mesmo os mais jovens deixavam de sair para ficar olhando, todos querem comentar sobre a vida dos outros, mas ninguém quer ouvir falar da sua própria vida. Essa era a intenção do artista ao deixar de propósito a estatua na janela e ficar fomentando opiniões e teorias com as pessoas que ali se reuniam.

O fotógrafo se sente completamente inútil e constrangido. Ele sabe que também fez isso...

Será que todos fazemos isso mesmo? O tempo todo?

Ao voltar para casa ele faz as malas, apaga as luzes e resolve ir viajar, mas volta novamente para ver se as luzes estão todas apagadas. Já chega de cuidarem da vida alheia, é hora de cada um viver sua própria vida.

Vendavais

Perdido em seu inconsciente, o tempo se esvai, ele vê as armadilhas serem levadas pelo vendaval do deserto, pensa em como era o tempo em que lutou para se libertar, mas foge o pensamento em sua luta por seguir o caminho, agora devastado pela tempestade de fogo que vem do vulcão...

Às vezes parece que tudo deu certo, ao mesmo tempo em que seus pensamentos desmoronam, seguidos de uma avalanche de emoções. quisera que fosse um sonho ruim. seria apenas despertar para por um fim nisso tudo, mas hoje não é tão simples...

Não há armas para lutar, não há quem combater, mas ele segue a espreita, caminhando entre sombras, se disfarçando por mero receio de ser encontrado, não, isso não pode acontecer, colocaria um fim a tudo que foi feito até agora... no meio desta multidão de egos que o vigia, ele precisa a todo custo manter seu rumo, mesmo que não saiba onde precisa ir...

Tudo parece estar desfocado, não há um caminho ou mesmo uma imagem que consiga lembrar de nada, sobra apenas aquele borrão de um dia que talvez tenha sido o princípio de tudo, quando decretou seu próprio fim.

"Desistir" é completamente fora de questão, abandonar, por que? não há muito até agora, não haveria porque não deixar algo de lado, talvez apenas quando assumir a derrota é que a chance de vencer reapareça, mas ainda assim, tem que existir outro caminho, tem que ter um outro jeito, mesmo que siga perambulando por entre todas estas máscaras quebradas ao chão, ele sabe que não é a hora de se entregar a exaustão, precisa se levantar mais uma vez, acreditar no que nem ao menos sabe se ainda é real... mas que talvez ainda exista e o faça reencontrar suas memórias de um mero minuto que se perdeu entre os escombros de um dia de sol.

E esta noite, há uma luz que o leva num rumo desconhecido, talvez até sem volta, mas para quem veio até aqui sem saber o motivo, o que é que se tem para perder? mas aquela sombra que antes o perseguiu começa a ganhar formas e cores... agora tudo está claro e a realidade perdida volta a fazer algum sentido dentro de toda a insanidade vivida até aqui, mas talvez a loucura seja seu escape de um mundo que ele ignorou, entretanto, sempre existirão riscos em todos os lados, é hora de se deixar levar outra vez pelo maremoto de confusões que o levaram até aqui... é hora de abrir novamente os portões para enfrentar o vendaval de vênus, que tanto evitou...

contra adição

andando nas colinas, do alto das grandes geleiras do deserto, perde-se entre as arvores secas durante a alvorada. sente a brisa quente do inverno, o leve odor das folhas que caem.

sente-se só.

sente-se forte.

sabe que logo alcançara o apogeu de seu declínio.

ouve as risadas ao longe. sente o gosto amargo do suor.

uma explosão.

tudo começa a acelerar. sente que pode nadar ao olhar a água na pia.
não há paredes no buraco negro. membranas tentam prender, mas ao acelerar seus pensamentos, fica quase intangível. vai alem do pensamento ludibriado pela insana consciência de seu ego perdido.

deixa se levar pela maré do corredor dos devaneios alucinantes.
fecha os olhos pra ver o fogo que o extintor dispara em rajadas contra o sussurro dos ventos do norte. consegue ver os guardiões do palácio dentro da masmorra sem passado.
perdeu o trem.

perdeu a linha e a passagem.

vai ficar encarcerado na ilusão daquele passado que nunca teve. vai se agarrar ao sonho inconsequente de seu carma. vai caminhar no pensamento alheio de um sentimento que nunca conheceu. vai estar longe, antes que possa chegar. vai se levantar de uma cova que não viu, quando não podia ouvir. alucinado pela luz dos postes onde nunca houve eletricidade. ele segue atras daquilo que não sabe o que é, mas que nunca esteve em lugar nenhum. estende as mãos e sente o perdão raivoso da culpa de um inocente que apenas acreditou. não vê nada além de um carma condenado ao acaso de um destino hipócrita com ideais superficiais demais para serem levados a sério.

sente em seu tato o paladar perdido durante a luta contra a sua imoralidade roubada pelos anciões de seu alter ego. não vê o aqui. nem percebe ali.
sobe nos muros de um sonho esquecido para tentar ao menos ver onde chegou, mas nem ao menos saiu do lugar. sente o calor iminente da derrota presa na faca.

deitado na parede do jardim, resolve caminhar no teto de mármore para trancar a saída. prefere não conhecer a porta azul de isopor. caminha entre as pedras cegas que viu dias antes no porto de onde partiu sem conhecer a ira ensandecida dos guerreiros da cidadela. 

carrega em suas costas as marcas dos ingloriosos dias em que se deitou na relva da manhã para contemplar a sagrada ordem que ouve sussurrar dos magos mortos. sentiu a verdade esmurrando sua face. sentiu o calar das sombras. viu as estrelas caindo quando os tiros de discórdia as atingiram. a poeira das ruas é levada pelas cinzas da luz incendiada. sente o calafrio de uma decisão complacente, sente queimar em suas veias a mediocridade de um tolo devaneio que se deixa ludibriar pela mimese de uma metáfora.
é quando toda a sintaxe presa se deixa levar pelo utópico pensamento de uma id que não conhece. sente o sabor amargo de uma vitória trapaceada pela injustiça de um inocente desejo de perder tudo o que jamais teve.

não vai além.

não vai mais voltar.

caiu do muro do lado errado.

desmaiou dentro do sonho que nunca viu.

caminhou entre as mascaras da ilusão do labirinto até fechar as frestas das janelas entreabertas...

Medo

Ele buscava o topo da montanha a qualquer custo. Nada o impedia de sonhar cada vez mais alto. Nada o fazia perder a crença de um dia alcançar o estrelato que tanto sonhou. 

Nem mesmo o fato de ter perdido tudo, até mesmo seu emprego o fez desistir. Ele quer isso, não para provar alguma coisa para aqueles que não acreditaram, mas para ele mesmo que sempre acreditou. Para o seu ego, apenas.

Acordava cedo todos os dias como se ainda estivesse empregado, caminhava pelas ruas com sua câmera, a procura daquilo que um dia poderia lançá-lo longe.

Até que numa fria manhã de terça feira, resolveu comer alguma coisa só para enganar o estomago mais um pouco. Mas eis que ao entrar naquele bar tudo estava prestes a mudar. 

Chegou até o balcão e antes mesmo que pudesse pedir alguma coisa, ouviu a arma engatilhando atrás de sua cabeça.

Rezou muito, pediu para que ao menos pudesse sair vivo daquela situação. Mas antes que o meliante fosse embora, se deu conta que aquilo era só o começo do rumo ao estrelato que tanto buscou. Abriu os olhos e naquele instante viu que tudo tinha acabado. Mas não para ele.

Aquela sequência de acontecimentos momentâneos o incomodou por muito tempo. Mas não ao ponto de fazê-lo desistir de encontrar aquele que o fez encontrar o que precisava para chegar de novo ao topo que nunca pôde ver de perto.

O tempo parecia correr contra ele, mas não desistiu. Acreditou que cegamente que agora sabia o porquê de ser repórter. Buscou informações em todos os lugares e por todos os meios, exatamente como aprendeu nos tempos de faculdade e de quando estava ainda no jornal. E após muito tempo perguntando em todos os becos, para todos aqueles que pareciam "perigosos", finalmente uma pista que poderia seguir. Os dias passaram e ele acompanhou ao longe o bandido que colocou a arma em sua cabeça, ia memorizando todos os passos rotineiros do homem. Pensava em como poderia abordar um sujeito que poderia tê-lo matado. Não tinha idéia se estava daquele jeito por medo ou ansiedade. Começou a se questionar se a fama valia tanto assim.

Todos os dias ele respirava fundo e acompanhava aquele homem, claro que ele já deveria estar desconfiado de estar sendo seguido e que isso poderia acabar mal, tinha que pensar nas possibilidades, pensou que seu suor já exalava medo. Mas não ia recuar, parou como sempre ao lado do poste, olhando para frente, esperando o momento que o meliante sairia daquela porta e formulava várias perguntas novas, mesmo que já tivesse muitas anotadas. Mas algo estava errado, já passava do horário e nada da porta se abrir, aquela rua movimentada como sempre parecia bem vazia, as pessoas todas pareciam encarar esse repórter desempregado.

"-Ei, por que você fica aí o dia todo olhando ali? Você é policial?" perguntou o bandido surgindo ao seu lado. Andou até ficar de frente. Encararam-se ambos estavam maltrapilhos, estavam frente a frente. E aquele rosto que nunca chegou a ver tão perto, o fez lembrar-se do som daquilo que o vez ver tudo além do que queria. Não era o medo que realmente sentiu aquele momento, não era nada além da vontade de fazer uma proposta da qual poderia um dia se arrepender, mas que o alçaria da forma que sonhou.
"-Não, não sou policial, sou só um repórter, mas preciso muito falar com você." Aquela frase ecoou dentro de sua mente, seu coração parecia acelerar.

E o meliante aceitou conversar. Aquele homem sombrio, que parecia não ter expressões, nem demonstrava qualquer emoção. Mas agora era tarde para recuar. Fez a proposta, falou de sua grande idéia. "Um sequestro?" - perguntou o meliante. "Sim, deixe-me explicar". Naquela hora, todas suas anotações escritas e mentais pareciam ter desaparecido, que proposta era aquela que ele fazia a um malfeitor?

"-A minha idéia é simularmos um sequestro meu, onde vou relatar tudo o que passei, depois escreveria sobre o sequestrador, ambos seremos astros, ambos teremos fama e fortuna, não importando como conseguimos". Era tudo muito bem planejado, principalmente por ser um improviso de tudo que ele deixou para trás ao contar isso.
Contou tudo, explicou os detalhes de seu plano, não teria como dar errado. Mas dependia do bandido aceitar, a grana era alta, claro, porque mesmo desempregado, ele era um repórter conhecido na mídia, foram muitos anos dentro do mesmo jornal, as pessoas sabiam quem ele era, iriam querer ajudá-lo num momento de dificuldade como esse. E como as coisas poderiam dar errado? Mas nem tudo pode dar tão certo.

O bandido e o repórter seguiram para dentro do apartamento onde o bandido morava, conversaram sobre o plano, era realmente muito bom para ser algo apenas improvisado. 

Pediu ao homem um copo d'água, viu a arma sobre a mesa, aquele ser que um dia colocou a arma em sua cabeça estava de costas, assim como ele estava quando se viram pela primeira vez. Não pensou duas vezes, foi tomado novamente pelo medo, mas agora era ele quem estava em vantagem. Engatilhou a arma, pegou uma almofada do chão e encostou no bandido. Aquele homem que nunca parecia expressar nada, fechou o rosto, dava medo até mesmo de pensar qualquer coisa, eis que a arma é disparada, e, naquele apartamento sujo e escuro, isolado, quem poderia saber que eles estavam lá, ou quem saberia ao menos quem eram eles. Um disparo abafado por uma almofada. Foi só o que se ouviu e o que nunca ecoou. Tudo parecia mais escuro, muito mais.

Ele limpa as digitais da arma, sai andando tenta não demonstrar qualquer emoção ou sentimento. Seus sonhos estavam enterrados de vez. Aquele homem que um dia sonhou em ser o maior repórter que já se ouviu falar acabou de matar. Sorria escondido, estava satisfeito. Não queria mais os sonhos do passado, queria apenas ter a satisfação de tirar a vida daquele que poderia te-lo matado. Mas e agora esta era sua nova realidade? Esta seria sua nova vida?

A sensação do medo, a frieza, não sabia explicar o que sentia, o que se passou naquele instante em que puxou o gatilho, não sabia expressar ao certo o que houve, mas estava satisfeito, como se tivesse virado uma pagina mal escrita. E agora manchada de sangue, uma marca que jamais poderá tirar de sua vida, que jamais irá revelar, não sabia por que fez isso, não sabia explicar nem a si mesmo por que mudou de idéia, da entrevista, ao sequestro, à morte. Agora vai para casa escrever uma crônica sobre seus momentos de pavor ao quase morrer, mas guardando em seu intimo a sensação de ter estado do lado oposto da situação, afinal, agora ele pode ter um emprego de novo, será a melhor história que já escreveu e que nunca a contará por completo.

Seguindo Adiante

Um surto psicótico e uma idéia totalmente perdida, as avessas e ainda aparece como se quisesse sair, se libertar, aparecer aqui do nada... não entendo o porque disso, mas sei que quando acontece, é hora de escrever...

São dias como este que já passaram em que me pergunto se realmente cheguei até aqui, ou como encontrei esses caminhos. Porque sempre corro pela mais longa rua, quando poderia só andar pelos atalhos. Mas não. Sempre acabo escolhendo tudo que é complicado. Talvez todo desafio seja o motivo. Às vezes explodo fácil nesses caminhos. Mas páro e me permito pensar com clareza, guardo um pouco os impulsos pra um momento em q eles sejam realmente úteis... se é que serão...

O tempo todo pareço agir só impulsivamente, deixo os pensamentos guardados e faço apenas aquilo que acredito, mas e daí??? Eu nunca deixei de acreditar em mim até o fim... Mas dessa vez, vai ser muito difícil, será muito mais complicado, talvez eu me perca bastante, mas acima de tudo, preciso acreditar que sim. Mas isso é outro detalhe e não vou me apegar nisso porque não farão tanta diferença no fim das contas... ou pelo menos é o que espero.

Se vou conseguir, não sei, mas não posso mais desistir antes... Não quero deixar algo pela metade, não de novo. O que passou não faz mais diferença. Não mais. Pode ser tudo tão sem sentido, pode não ter explicação, mas agora não tem razão me prender. Mesmo com as nuvens cobrindo a visão, vou encontrando novos caminhos, cheio de abismos, pedras, vendavais... 

Chegou a hora de ir além, abrir mão daquilo que me cega e recomeçar.
Não é algo ruim como parece, mas é quase uma trava. E não posso ter isso eternamente no meu caminho se preciso acreditar que vai começar a mudar...

 Seguindo Adiante
Um surto psicótico e uma idéia totalmente perdida, as avessas e ainda aparece como se quisesse sair, se libertar, aparecer aqui do nada... não entendo o porque disso, mas sei que quando acontece, é hora de escrever...

São dias como este que já passaram em que me pergunto se realmente cheguei até aqui, ou como encontrei esses caminhos. Porque sempre corro pela mais longa rua, quando poderia só andar pelos atalhos. Mas não. Sempre acabo escolhendo tudo que é complicado. Talvez todo desafio seja o motivo. Às vezes explodo fácil nesses caminhos. Mas paro e me permito pensar com clareza, guardo um pouco os impulsos pra um momento em q eles sejam realmente úteis... se é que serão...

O tempo todo pareço agir só impulsivamente, deixo os pensamentos guardados e faço apenas aquilo que acredito, mas e daí??? Eu nunca deixei de acreditar em mim até o fim... Mas dessa vez, vai ser muito difícil, será muito mais complicado, talvez eu me perca bastante, mas acima de tudo, preciso acreditar que sim. Mas isso é outro detalhe e não vou me apegar nisso porque não farão tanta diferença no fim das contas... ou pelo menos é o que espero.

Se vou conseguir, não sei, mas não posso mais desistir antes... Não quero deixar algo pela metade, não de novo. O que passou não faz mais diferença. Não mais. Pode ser tudo tão sem sentido, pode não ter explicação, mas agora não tem razão me prender. Mesmo com as nuvens cobrindo a visão, vou encontrando novos caminhos, cheio de abismos, pedras, vendavais... 

Chegou a hora de ir além, abrir mão daquilo que me cega e recomeçar.
Não é algo ruim como parece, mas é quase uma trava. E não posso ter isso eternamente no meu caminho se preciso acreditar que vai começar a mudar...

Sobre o Tempo

O tempo esvai... um momento que se aproxima;
Tão perto, cada vez mais ansioso... parece distante...
As luzes acendem nas ruas...
Setas não levam a lugar nenhum...
Seguimos os caminhos errados;
Nos perdemos na nossa mente...
Venha, vamos lá, parece que ainda temos uma chance
Talvez a gente possa se perder;
E quem sabe é o que queremos...

E tudo ainda parece igual ao que era antes de começar,
Mas o que vem depois, deixemos pra depois...

Quadros Vazios

Nada nunca é tão certo quanto uma incerteza... isso realmente é uma afirmação que carregamos dentro do consciente, mesmo que ele discorde inconscientemente, arcando com as consequências...
E tudo que se esvai com o tempo, volta ao ponto de partida... e dá voltas, nos enganando sempre... fazendo ver o que interessa e deixa passar o que poderia ser importante, mas que vai se perder depois...
E quando alcançamos o topo, há ainda outros lugares ainda mais altos... novos desafios, velhas partidas... parece que a repetição nunca vai ter fim, será que é pra ser assim??

Antigos momentos que voltam a tona quando menos se espera... no meio do nevoeiro há um sorriso... debaixo das neves uma mão se estende... tirando-o do temporal...

Tudo volta ao começo quando caímos... mas às vezes é tudo o que se precisa...
e novamente tudo se repete, continuamente... um circulo sem fim, mas é interrompido, quando resolve-se ficar de pé, escolher um caminho e ir embora, apenas ir embora e deixar todas as cicatrizes onde ficaram as quedas, onde o inevitável era impossível, mas que seguirá ali, parado em seu circulo, enquanto vê laços se soltando e indo adiante, indo para os lados, apenas por poder olhar as opções...

Um Gole de Café

Às vezes o tempo corre ao nosso lado, mesmo que sem perceber, acabe atrapalhando um pouco, mas tudo bem...
Quando se tem demais, não há o que fazer, quando não se tem... é complicado querer ver além, quando não se sabe o que está procurando...
E algumas pessoas dizem algo que decepciona... outras dizem aquilo que é preciso, só isso... e em alguns lugares passa-se tempo demais sem saber quanto tempo se passou...

Não existe a plenitude, seja do que for, todos já buscaram, mas alguém encontrou?? Ainda assim a gente a encontra um pouco de tudo o que procuramos em todos lugares que vamos... quem sabe não é isso que faz tudo valer cada vez mais...

Um dia só é tudo, outras vezes nem conta nada... mas e daí??? Sempre vamos reclamar que passou rápido demais, que não foi o suficiente, por mais que seja aproveitado, não vai ser o bastante... nunca é...

Há muita coisa que ainda vale a pena procurar, assim como há aquilo que nem se deve mais lembrar... e assim a gente segue... encontrando mesmo que por pouco tempo, aquilo que faz tudo valer, cada vez mais... e quantas vezes algo tão simples faz ver que tudo, tudo mesmo, sempre vai valer a pena... o tempo todo, mesmo que por pouco tempo, já vale um dia...

Baldes de Areia

O ultimo fogo subirá através daqueles olhos...
A casa assombrada caíra sob seus pilares...
Garotos cegos não mentem sentem um medo imortal...
Aquela voz era tão clara através de paredes rachadas...
Aquele grito ainda ecoa sob acordes distorcidos...
Perdido em sua ilusão atemporal, cavalga entre marés e desertos...
Não vai chegar a lugar algum além de sua imaginação...
Não são capazes de nos derrubar, não podem!!!

Hoje será o fim do acaso, um confronto do destino.
Espadas reluzentes lutam contra chamas...
Não há vitória. Não existe derrota. Não há fuga.
Há apenas o fim.
Acaba a esperança.
Vendavais carregam a fumaça do fogo na vila...
Tudo que um dia foi perdido, hoje volta.
Está de volta toda a perdição.
Estamos de volta ao recomeço.
E toda a vida se esvai numa goteira para um oceano já seco...

Aquario do Deserto

E por um instante sentiu-se consciente, como há muito tempo não sabia o que era isso, sentiu uma estranha sensação... parecia estar tudo tão distante, parecia até que tudo estava se despedaçando antes mesmo que chegasse perto o suficiente para derrubar...
Sentia-se envolvido pelos prazeres de um mundo que não lembrava nem mesmo o caminho para chegar, mas sabia que toda volta era perplexa e cheia de nevoa... não sabia se iria voltar tão cedo, até porque nem sempre a estadia é tão ruim quanto parece.
Viajou daqui para lá. E de volta novamente. Como sempre, sem perder o rumo.

Os mesmos velhos lugares e ainda reencontra velhos rostos que não via, ou porque evitava, ou porque realmente não encontrava, mas agora há algo novo, diferente, parece um  segredo que ainda não pode ser revelado.

E então, sente-se pronto para recomeçar vai se esforçar por algumas coisas. E pelo que disseram, muito do que está para acontecer pode durar para sempre... mas o pra sempre é instável. Então porque não aproveitar o que já existe. Ao menos enquanto dura...

A Corrente

Ele queria acreditar, mesmo não conseguindo, parecia tão real quanto o que realmente não podia ver... horas, às vezes, não fazem o menor sentido, o tempo deixa de ser toda aquela incógnita indiferente do mundo... e tudo o que ele queria era poder estar longe, correr pra perto, é tudo tão confuso que mal sabe o que precisa descobrir a seguir...as opções aparecem como sonhos, sempre diferentes, sempre confusas, mas nada tão abstrato ou surreal quanto suas próprias duvidas de si mesmo...

Ele só precisava estar fora de si para entender o que se passou ao seu redor... às vezes precisa de um pensamento perdido, esquecido, para que tudo de novo se encaixe... mas tudo que um dia lhe pareceu perdido, hoje parece encaixar nos mais estranhos quebra cabeças que já viu. Pensa claramente em como um redemoinho podia cavalgar nas dunas do deserto espalhando a água do mar nas nuvens de poeira das fábricas abandonadas, essas imagens não explicam nada, mas as peças se encaixam como velhas conhecidas.

Mesmo que às vezes seja só uma luz... pode ser que o interruptor estava mal localizado, mas ele o encontra... sempre... tenta reconhecer as sombras e vultos que passam em sua mente, nada é tão real quanto o único rosto que pode ver com um mínimo de lucidez, nada faz sentido dentro de sua imaginação que um dia o declarou uma pessoa comum, hoje, está muito além disso e se sente só em seus próprios devaneios. Mas não seria tão complicado se não fosse tao simples. Não vai atrás de nenhum outro rosto, nada o faz perder o foco, nada vai lhe tirar do caminho que escolheu. Mas tem certeza que nunca mais vai voltar ao ponto de partida. Desistiu das glórias que um dia conquistou por uma chance de não ser mais lembrado, apenas isso.

E é claro, às vezes, toda noção se perde num suspiro. Tudo encontra uma razão na insensatez inexplicável de palavras soltas pelo mundo. Ecoando até chegar onde deveriam. Quando chegam, é que se tornam reais. Palavras cegam quando chegam. Cegam toda a luz. Cegam tudo que se pode deixar livre. Cegam até mesmo qualquer decisão. Mas nem tudo parece tão ruim...

...porque às vezes, basta um sorriso...

As Sombras Do Teto

Ele ainda se lembrava... vagamente... do dia que perdeu...
Seus pensamentos não iam além de onde podia ver...
Não dava importância ao que era razão... mas isso nunca deu mesmo, não faria sentido prestar atenção nisso justamente agora...
Não deixou ninguém se aproximar... nem ao menos viu quem passou por você...

Não sabia dizer se era angústia, raiva, ou mesmo o que e onde sentia tamanha dor, não queria descobrir, só queria deixar o tempo passar e poder se levantar de novo, então, estendeu as mãos e ficou ali... numa suplica silenciosa, talvez seu orgulho seja grande demais para que aceite ajuda, ou apenas não saiba pedir... e jamais vai admitir seus erros tão banais. Sente-se numa cama de concreto, incomodado por estar ali, mas não muda a situação na qual se encontra. Tudo era tão mais simples antes.

Agora está preso no jardim de lamentações onde costumava ir. Mas ia sempre em segredo, nunca quis que ninguém no mundo soubesse que reclamava de seus próprios defeitos que nunca soube aceitar ou mesmo conciliar com qualquer qualidade que possui. E todos sempre o esperam voltar. Não pode aceitar que o apogeu já foi há algum tempo, nem ao menos pode entender que, o que quer que faça, sempre tem consequências, boas ou más. Sempre tem. Tudo hoje é tão estranho e dolorido, mesmo as boas memórias o machucam, o derrubam para um penhasco que por anos tentou evitar chegar perto, não há recompensa nesta queda, apenas a solidão.

E ele ainda Espera reconhecer um momento pelo qual possa dizer que vale a pena dar um passo para trás. Talvez ali do lado no meio da multidão, quem sabe? Pode existir algo que reencontre, mas não se lembra. Tudo é tão vago, mas tão cheio, contraditório. Nada é vazio em sua mente perturbada por um passado de erros que não quis admitir. Talvez um futuro nublado seja a melhor opção, porque o que se vê agora não é nada animador. Mas não vai desistir ainda da ideia insensata de que possa se perder de novo... e dar um novo começo para tudo aquilo que nunca chegou a acabar... 

Pedras no porão

Encontrou-se dentro do seu inconsciente perdido, mas não lembrava de nada, estava apenas tirando o pó da estante. Carregava pensamentos dentro do peito, mas estava quase explodindo, mal controla sua emoção.
A ansiedade vai acabar, parece tudo tão próximo da razão, quando o livro está no final...

Paredes manchadas pela indecisão. Pedras jogadas para o alto, rendição. Lajes quebradas, caindo aos poucos.
Corredores desertos, sujos pela multidão que um dia caminhou neles. Escadas escuras, até mesmo as sombras e o pó desapareceram. E o frio porão, não parece abandonado, lampejos de luz parecem habitar o lugar.
Enquanto na sala tudo ainda acaba no mesmo lugar.

Aquele navio ancorado, parece que ainda tem esperanças de um dia sair do lugar, ir além, apenas ir além. Quando se vê um avião em queda, tudo parece estar perdido, tudo parece ir contra a fé, torna-se saudade, melancolia, torna-se aquilo que lutamos o tempo todo para evitar.
O aeroporto ainda vazio, não há ninguém para viajar. As pessoas vão embora, simplesmente se vão.

E só ele viu o fim da história.

Códigos do Caderno

Lágrimas de poeira escorrem pelo castiçal perdido debaixo da mesa quebrada daquele quarto abandonado. A escadaria coberta pelos véus queimados, distantes dos sonhos que foram guardados para eles, a escada, não tem um fim, mas esta quebrada e não vai a lugar algum. Não tem começo e nem fim.

Ventos castigam as grandes dunas, as montanha começam a ruir, uma a uma, elas caem. A cada grão da ampulheta, um pedaço da montanha cede.  O mundo está vazio. Cercado pela solidão de uma população que não se conhece.

Toda a perplexidade inexplicavel da insensatez cede à fé cega dos lenhadores desempregados. A matilha faminta agora sobrevive de frutas. Tudo muda, tudo se perde. Dentro de cada mente.

E nada derruba as ondas naquela praia, elas carregam toda a angustia e esperança daqueles que acreditam em alguma coisa que não saibam o que é, mesmo que talvez não exista. Não vai além do poder da fé. Não vai além do questionamento. 

Amargo regresso dos pesadelos que um dia se arrependeram por deixarem os dados selarem seu destino. Em vão. Aquela roda que escapou, os atropelou quando tentaram atravessar a rua fora da faixa. Hoje estão tão debilitados, quanto as mentes que um dia perturbaram.

Mostrou a força ao questionar o poder. Mediu seu poder com as rebeliões. Gavetas foram abertas para contar segredos. Portas foram trancadas. Luzes apagadas. Nada mais é como estava um dia na sua imaginação.

Onde o mundo um dia se perdeu em sua solidão. Onde o mundo um dia não viu o que passou. Onde um dia... o mundo...

Equilibrio

- Já estamos sentados aqui faz muito tempo e você ainda se remoendo de culpa??? Fala sério, vai...
-Acho que as coisas seriam diferentes, eu poderia ter agido de outra forma...
-É, poderia, mas não o fez, vai continuar sentado aí olhando para baixo até quando?
-Não sei, até eu conseguir entender, quem sabe?
-Papo furado, você não percebeu que seu tempo passou, você foi esquecido, você é a segunda opção.
-Talvez. E você também não se sente assim?
-Deveria?
-Não sei, não sei mais o que responder, antes eu achava que sabia as respostas...
-É, o tempo passou, você não é mais o mesmo, olha a sua volta, tudo mudou e você ainda fica aí choramingando, você já teve atitude, lembra?
-Sabe, é estranho ouvir algo assim, ainda mais de você...
-Que bom, agora vai querer ser superior, pelo menos sinto alguma reação.
-É... quem sabe...
-Começou de novo? Olha, já estamos aqui tem um tempo e você começou a desabafar só agora, nem sei mais o que é tempo de tanto tédio que sinto aqui.
-Você sempre soube que procuro calmaria e ainda assim me procurou. E ainda reclama?
-Sim, reclamo, é meu dever, vamos lá, levanta daí o mundo não vai para de girar, evoluir... e você pode fazer parte disso.
-Não sei se ainda vale a pena...
-É, então fica aí parado mesmo, fica olhando pra baixo, que legal, né... deve ser muita adrenalina...
-Você tem que ser sempre tão sarcástico?
-Você acharia que eu mudei se eu não fosse...
-Isso é...
-Vai, vamos, levanta daí e vamos dar uma volta, não custa nada. E você ainda pode se divertir.
-É... pode ser depois?
-Não, não pode, vamos agora.
-Então me diz uma coisa...
-Se você vier com a mesma ladainha eu vou embora.
-Mas é você quem vem me procurar, sempre.
-Ok, vamos deixar os detalhes de lado, pergunte.
-Por que? Eu preciso saber o por que...
-Eu sabia, nem sei há quanto tempo você tá nessa... me recuso a falar disso de novo.
-Mas você nunca quer responder, vamos, diga.
-Hum... tá... você realmente vai se levantar se eu disser?
-Acredito que sim, se você me convencer.
-Droga. Por isso que demoro pra te procurar, tá vendo, é sempre a mesma coisa, eu vou embora.
-Vai, faça como todo mundo já fez.
-Certo, você quer respostas? Quem diria, que justamente eu iria te responder isso, chega a ser cômico se não fosse trágico.
-Ainda estou esperando.
-A culpa é sua sim.
-Como?
-Ah, você queria o que? Depois de tudo que você fez, ainda tem gente que duvida de você, ok, faz muito tempo, talvez você ache que precisa provar alguma coisa de novo, sabe o que eu acho? Precisa de nada disso não, você é quem tem que se levantar e ver que tudo tá diferente desde aquela época, não são mais as mesmas pessoas, existem outras preocupações hoje, lembra que eu te falei de evoluir, pois bem, foi o que aconteceu. Só que você parou.
-Então é culpa minha, realmente não precisam de mim.
-Não disse isso... ahh dane-se, vou me arrepender disso depois, mas...
-Hum...
-Você teve forças para fazer tudo o que fez, você mostrou todos os caminhos, foi embora quando tinham aprendido tudo, você fez as escolhas assim como eu fiz.
-É, você foi embora, até você...
-Sim, mas eu tinha outros motivos.
-Eu sei. E agradeço.
-Olha aqui, vamos deixar de sentimentalismo, a gente tá aqui sentado olhando para a Terra, vemos como o mundo mudou, mas vai por mim, o mundo ainda acredita em você, ainda tem fé em você, existem ateus, é claro, mas ninguém pode obrigar ninguém a fazer o que não quer, ou acreditar em algo que tem duvidas, você me ensinou isso.
-Isso sim foi impressionante.
-Eu sei que você se sente desconfortável porque o mundo que você deixou, mudou e hoje em dia as coisas são totalmente diferentes, olha ali embaixo, teve muita revolução, teve evolução do ser humano, eles são diferentes, mas ainda são a sua própria imagem.
-Assim como você.
-Eu já disse, só escolhi outro caminho porque não acreditava em tudo e acho ainda isso aqui muito monótono.
-Você nunca gostou do Paraíso não é Lucio?
-Já passaram milhares de anos, já disse que é Lucifer.
-Eu sei, mas Lucio é um nome mais bonito.
-Ok, Jesus, agora você já está sorrindo e me fez relembrar da época que fiz parte disso, preciso ir embora antes que você me dê uma aureola de novo.
-Não, não faria isso, você, apesar de tudo tem razão, acima de tudo eu dei livre arbítrio para a humanidade, eles escolhem no que acreditar. E me sinto melhor mesmo, parece que ouço preces ainda.
-Ah é?
-Parece que alguém anda deixando a maldade de lado.
-Não começa.
-Não foi você?
-Você tem milhares de emissários lá embaixo, porque justo eu iria devolver a fé deles em você?
-Porque você, nunca perdeu a fé em mim, do contrário, não conversaríamos mais. Mas você sempre vem aqui e tenta me fazer acreditar na humanidade, me fazer ver que a fé em mim ainda existe, porque alguém que se diz tão mal faria isso?
-Não, não vou responder.
-Não precisa, eu sei a resposta, posso sentir em você. Apesar de tudo, você começou aqui, você não tem seguidores, então mantem a fé no Criador.
-Tá bom, eu tenho mesmo fé em você, mas não espalha... afetaria o nosso equilíbrio de "bem e mal", sabe...
-Eu sei que não é verdade, mas como você mesmo não querendo, me ajudou, vou manter em segredo.
-É, valeu. Agora já está melhor?
-Sim, acho que seria uma boa idéia aquela caminhada que você falou. Você me mostraria algumas coisas ali embaixo, eu não entendo essas coisas modernas, no meu tempo a evolução ainda era o metal.
-Ok, eu te mostro. Mas você paga o café.
-Mas quem ganha dinheiro é você. Aqui as pessoas entram de graça. Pelo comportamento.
-Tá bom, eu pago. Mas vamos assumir outras formas, imagina depois se nos veem juntos de novo, aí é outro diluvio.
-O diluvio não foi por isso, você sabe. E mesmo que você tenha nos deixado, você ainda consegue chegar até a mim... pessoalmente.
-É porque somos entidades, não uso crachá.
-Suas desculpas foram melhores Lucio.
-Já te disse que o nome agora é... ahh deixa pra lá, Lucio tá bom. Você vai descer assim com essa roupa?
-Você sabe que não ligo para coisas assim.
-Tudo bem, então vamos. Aí te apresento outra invenção da humanidade chamada vídeo game.
-Ahhh Lucio, meu anjo desertor, mesmo você tendo criado o inferno, ainda se porta como anjo quando vem ao Paraíso. E é muito bom ver que mesmo você que renegou tudo crê na humanidade, assim como eu eu, um dia as coisas serão diferentes, mas sempre vamos precisar desse equilibrio e sim, justamente você é uma das pessoas que mais tem fé em mim. Obrigado.
-Ahh eu... deixa pra lá, é bom ver que o Senhor voltou.




Não veja este texto como religioso, ou pense que quero convencer alguém sobre a existência de Deus e o Diabo. Não. É só um diálogo, inicialmente entre amigos baseado em cima do desenho chamado "God, Devil and Bob" e das músicas "Deus e o Diabo - Titãs" e "One of Us - Joan Osborne". Não tive por base a infinita luta de trevas contra luzes, mas uma visão de que são apenas duas pessoas cordiais que defendem seus mundos e a existencia do nosso. Cada um de nós tem sua própria fé e é livre para crer no que quiser, ter a religião que quiser. Todos temos nossas próprias crenças. 

Os Portões do Palácio

O Rei se levantou do trono para polir sua coroa. Ela é feita dos mais limpos papéis amassados, reluzente e cravejada pelos enfeites que pôde encontrar no caminho. Todo um reino a controlar, tão pouco tempo se tem, as horas passam tão veloz quanto os duelos entre cavaleiros. Ah, o que seria deste reino sem este Rei? Seus súditos apressam-se em poder ouvi-lo, a multidão espera por um breve momento em que possa vê-lo, mesmo que por meros segundos.

Do alto da mais alta torre, ele contempla todo seu império conquistado com muito suor. É digno de vastos pensamentos que parecem aumentar ainda mais todo o território já conquistado. Ele sorri. Seu reino é justo, não há guerra, ou fome. Trata as pessoas por igual, sejam simples aldeões, sejam bispos e condes. Há muito motivos para se orgulhar do que tem, mas há pouco tempo para se apreciar tanta beleza.

A masmorra é a mais alta torre do palácio, onde o Rei está preso. Ele pregou a igualdade, foi contrariado pelos nobres e decidido que seria trancafiado e seu parente mais próximo, um ambicioso conde, ficaria no poder, elevando as taxas e elitizando ainda mais o estilo de vida da nobreza. Ah como é injusto pensar que este mundo é que é o mundo real e que um Rei que poderia mudar o mundo, agora vive preso, drogado em seus devaneios, acreditando que tudo é como sempre quis que fosse.

O Rei não tem como fugir. As paredes são grossas. Barras de ferro na janela. Foi dado como morto. Poucos sabem quem vive na masmorra, ainda menos pessoas tem acesso a ela. Mas o rei vive feliz, ele sorri, suas gargalhadas são contagiantes. Ele ainda vive no seu mundo de igualdade, não percebe que está preso e só há muitos anos. Não percebe que perdeu sua razão, mas vê seu reino, ainda limpa sua coroa feita dos restos que encontrou naquela prisão, ainda encontra forças para sonhar e viver em seu mundo, em seu infinito particular, onde o cetro e o manto sagrado são de veludo e não de restos de roupas rasgados. Ainda é o mesmo Rei que sonhou com a igualdade, mas que o poder da nobreza o impediu de levar adiante um sonho onde a nobreza, clero e plebeus fossem realmente iguais. Pobre Rei. Viveu uma utopia, adormeceu e acordou encarcerado, até o fim de seus dias, e, nunca mais ouvi-se falar da igualdade entre as três classes. Pobre Rei que pereceu séculos atrás. Pobre de nós que nunca pudemos escutá-lo. 

Roteiros

Há um momento em que se questiona a própria existência humana. Nem mesmo a teoria da evolução é mais capaz de explicar até onde podemos realmente chegar, se é que realmente chegaremos, nem ao menos estaremos lá para conferir essa evolução das espécies. Mas e se nada disso é real?

E se você que está lendo, na realidade nunca existiu, nem eu que escrevo estou realmente aqui... pode ser que tudo isso seja apenas imaginário, então nunca estivemos em qualquer lugar que acreditamos ter ido. A mente é poderosa, Nos envolve em tramas, nos leva a duvidar, nos faz acreditar. Mas você pode ter certeza do que realmente é real? E se ao abrir os olhos, apenas uma vaga lembrança de alguém escrevendo, outras pessoas que estavam lendo, pensando se realmente aconteceu, se aquilo tudo não passou de imaginação. 

Podemos estar mais próximos do que realmente queremos. Assim como podemos, talvez nem existir nessa ou em qualquer outra realidade ou plano astral. O quanto o toque, o sabor pode ser uma sensação verdadeira, ou apenas o inconsciente imaginário dizendo que é isso que deve sentir? Ao fechar os olhos, você ouve a sua voz? Lembra-se com clareza do minuto anterior? Pode ter a certeza que aquele minuto que passou, existiu mesmo? Nunca teve tanta certeza de estar em duvida. O real que um dia imaginou, pode estar além. Além do momento que não se pode ver. 

Toda essa conversa nunca existiu. Podem afirmar. Podem negar, ou questionar. Podem ir atrás das memórias frustradas de uma madrugada que não se tem certeza se o dia que passou foi real. Pode não saber se o que vai vir será mesmo verdadeiro. Mas afinal, quem é que quer saber o décimo passo, quando nem ao menos o primeiro é uma certeza? Entregue-se às suas duvidas. Questione a verdade, descubra onde ir de olhos vendados. A imaginação, pode ser tudo o que se tem. Você pode nunca ter existido e apenas imaginou que viveu, na imaginação de outra pessoa que também não tem certeza se um dia viveu de verdade, ou apenas dentro dos pensamentos de quem pensa no roteiro das vidas humanas.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Vendedor de Sonhos



Em um pequeno vilarejo, distante das grandes capitais, o homem mais poderoso da cidade é dono de três cavalos, duas vacas e tem um fusca com mais de 20 anos. Um lugar que não conhece as novas tecnologias, não conhece o poder da mídia, vive em um mundo só seu.

O prefeito da cidade comanda pouco menos de 200 pessoas. Vivem até hoje sem eletricidade. Vivem felizes.

Um de seus habitantes curiosamente ganha a vida vendendo frascos de sonhos. As pessoas compram e bebem o elixir mágico que os fazem ver a vida de outra forma, alguns ao beber tem visões de grandes metrópoles, assustadoras aos seus padrões de vida, outros se imaginam tão poderosos que são donos do mundo. Este homem passa suas noites preparando seus frascos, e durante o dia anda pela cidade vendendo sonhos, o momento mais aguardado depois do almoço.

Todos consomem seus sonhos. Todos têm grandes sonhos e ambições, mas não saem nunca da cidade. Eles têm o que precisam, vivem de sua própria agricultura, de suas terras. Mas os sonhos os alimentam em outro nível de realidade.

Há muitos anos esses sonhos são vendidos, ninguém sabe dizer o que há dentro daquelas garrafas escuras que os deixam sonolentos e vêem a vida de outra forma, mas é tudo que precisam para continuar felizes como vivem, exatamente onde vivem.

Ele sempre espera todos almoçarem e então passa com sua sacolinha, os sonhos são diversos, há de todos os tipos, e ele nunca voltou para casa com um frasco cheio sequer.

A cidade raramente recebe turistas, são poucos os que saíram para viver em outros lugares, mas quem saiu há muito tempo, nunca chegou a conhecer o vendedor de sonhos. Mas a neta do prefeito estava voltando, ela tinha se mudado para estudar fora, tentar trazer um pouco mais de conhecimento ao lugar onde passou quase toda sua vida.  Quando retornou reencontrou velhos amigos, nada nunca mudou. Mas de imediato soube do momento mais feliz da cidade, à hora pós almoço em que o vendedor passava. Todos gostavam dele e conversavam por alguns minutos, contavam de seus sonhos e ele os tinha dentro de sua sacola. A moça intrigada com isso, não entendia porque as pessoas se entregavam a isso, poderia ser um alucinógeno, ou uma forte droga viciante, coisas que aquele vilarejo nunca vira antes, mas ela sim. 

Conversou com seu avô e ele mesmo confirmou que todo o dia compra um frasco de sonhos. Cada vez mais curiosa, ela que recém retornara ao seu berço, tinha que ver aquilo, tinha que saber o que era. Quis saber quem era a pessoa, o gosto que tinha beber um sonho.

E então, naquele dia, após o almoço ela o viu, lembrava-se dele, claro, era um homem simples que cultivava uma pequena horta com vários tipos de legumes, e vivia um pouco mais isolado que os demais habitantes, isso a deixou completamente perplexa. Ela viu toda a cidade comprar os sonhos líquidos e irem dormir felizes. Ela também bebeu, mas dormiu sem sonho algum, ainda assim, preferiu apenas sorrir e dizer aos parentes que teve o melhor sonho de sua vida ganhou sorrisos de volta como prova de que o vendedor realmente deixava a cidade feliz.

No final daquela tarde, ela foi visitar o homem que vende sonhos. Conversou com ele, ele garantiu que não eram drogas, tão pouco alucinógenos que ele nem imaginava o que significava essa palavra. Mas ela não estava satisfeita. Ela por ter vivido tanto tempo fora adquiriu uma caracteristica incomum para aquele lugar. A desconfiança.

E as semanas que passaram ela continuava a beber os sonhos, tirar o cochilo depois do almoço, mas ainda estava intrigada. Então resolveu conversar de novo com o vendedor, ela tinha que saber o que era. Mas ele não disse. A moça pensou até mesmo em levar um frasco para fora da cidade, pedir uma analise para saber o que consumia e viciava aquela cidade, mas não achou que seria certo fazer algo assim com aqueles sonhadores, mas por outro lado ela descobriria a verdade, mesmo que magoasse sua família e amigos.

Só o que ela não esperava é que o vendedor de sonhos um dia a convidasse para fazer os sonhos com ele. De prontidão ela aceitou e foi encontrá-lo á noite, tudo o que ele pediu é que o que ela visse, nunca fosse contado a ninguém, de modo algum, pois era aquilo que mantinha a cidade alegre e feliz, por menos que eles todos tivessem. Ela concordou.

Foi quando viu que o "sonho", nada mais era do que suco de graviola, uma fruta desconhecida da cidade, misturada com leite e açúcar, ela ficou ainda mais perplexa, naquele momento, entendeu que o que ele oferecia era apenas um simples suco, mas que os sonhos e ambições estavam dentro de cada um daquele povoado que por medo de deixar a cidade, se deixava levar pela ciesta, afinal, ele vendia depois do almoço porque sabia que as pessoas já estavam cansadas e querendo descansar, então, só os incentiva a sonhar. 

Após saber isso, ela manteve sua promessa, viveu por mais alguns meses lá e todos os dias ao cochilar depois do almoço tinha grandes sonhos.
 
Quando foi embora ela finalmente entendeu que o vendedor de sonhos, apenas deu um nome mais bonito a uma fruta que ninguém nunca ouvira falar, até porque, sonhos todos tem, seja qual for, mas experimentar algo novo, num lugar tão rudimentar, talvez não fosse bem aceito e com as palavras certas, as pessoas realmente sonhavam com o que falavam. Nunca houve drogas ou alucinações. Apenas sonhos adormecidos dentro de cada habitante daquela cidade. E assim continuará enquanto aquele homem tiver sementes de graviola para plantar.